terça-feira, 30 de novembro de 2010

Jéca Tatú

Matuto é igual a inhame no atoleiro,
Igual arroz no alagado,
Igual café de serra acima,
Igual juá no descampado.

Porque Matuto que é Matuto
é parte do chão que pisa
e do chão em que vive e planta.
Matuto como árvore tem raiz no seu chão.

Matuto inaugura o dia antes da luz
Para o sol poder vir e brilhar.
É ainda noite que se finda
Seu café já está passado.

Matuto é igual qualquer erva do lugar,
É igual feijão de terra seca,
Igual milho no roçado,
Igual capim que dá na cepa.

Matuto na primeira dobra do dia
Já ruma para sua tarefa com enxada
E matula a tira colo no embornal.
Deitar mato e até sisal.

Matuto é igual inhame no atoleiro,
É um cedro de cruzeiro,
Matuto se confunde com seu chão,
Rega a terra com suor e devoção.

De sol a pino e força a cabo,
Matuto volta embora do roçado.
Para o lado de uma cabocla prendada
E a criançada eirada.

Matuto é igual ao café novo
Coado por sua cabocla,
É suave e doce
Como o mel de favo na boca.

Matuto tem fé, fogo e melodia.
Fé no santo de sua novena,
Fogo no peito por sua pequena,
Melodia na viola tão serena.

Matuto pega boi pelo chifre,
Cavalo matuto domina pelo laço,
Cachaço no mangueiro é no braço.
E sua cabocla com rosas num belo maço.

No tempo da estiagem dessas que dura
Sofre com as plantas e não lamuria.
Leva o gado para beber água,
No açude que não esvazia.

Quando planta não apressa a semente,
Sabe que a semente tem o seu tempo,
Tem sua hora e seu momento
De desdobrar fora seu rebento.

Matuto canta para lua e ponteia sua viola
O silêncio sem o canto do sabiá,
É uma tristeza difícil de suportar
Passa a noite, passa bem já.

Porque Matuto tem jeito de Jeca.
Feito marungo que corta jaca.
Não entrega a labuta certa,
Tudo faz pela cabocla amada.

Amarildo Serafim 17/07/07

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um menino que nasceu...


Um menino que nasceu em Belém!
História estranha é a que ele tem.
Vou dizer como é que foi, trate de ouvir bem.
Os pais desse menino, povo simples
Que por aqui muito se tem
Moram em Nazaré, na Galileia
Tiveram de recensear-se em Belém.
E deu-se que neste tempo
Deu-se o tempo da gestação.
O pai dele de porta a porta procurava acomodação
E nem sequer em qualquer canto lhes deram condição.
E a pobre mãe que estava grávida, já aos gritos se achava.
Sobrou-lhes a estrebaria onde só animal pernoitava.
Onde já se viu parir na estrebaria merecia outra sorte
Mas outra não lhe havia, a não ser sorte da recusa,
E muitos são os que recusam nesta vida sua via.
Nascido o tal menino, sua mãe lhe envolve faixas.
Pois, só faixas portava Maria.
E pôs-lhe a dormir no coxo dos animais desse rincão,
Sobre o alimento dos que ruminam, animais sem distinção.
Uns pastores que por perto estavam
Afirmam com convicção: Ouviram do Céu a voz
Dos Anjos uma canção, que nasceu-lhes um menino bento
Nasceu-lhes libertação e que desse dia em diante
Fora banida a escuridão das trevas da mente e do coração.
Foram então, ver a luz e a libertação
Qual não fora a surpresa de ver que a luz dormia
Tranqüila no seio da Mãe dormia
Tão tranqüila como a noite daquele dia
Tão criança que com as outras se confundia
A luz não tiritava, somente resplandecia,
E quanto mais a noite se adentrava,
Mais a sombra da luz fugia.
Qual não é nossa dúvida, qual não é nosso quinhão.
Será que foi mesmo aquele dia o nascimento da salvação?
E se o menino é mesmo Deus? Deus criança e menino a um só tempo e condição!
E o mundo no que crê?
Não crê, nem dá atenção, até tentaram matar o pobre,
Só não sei se mataram ou não.

(Amarildo Serafim – 2004)


O CORAÇÃO FERIDO

Um coração que foi aberto,
Um coração que foi vazado,
Um coração que só amou,
Agora jaz na cruz pregado.

Um coração que foi amigo,
Com um golpe foi atingido.
O coração de nosso Deus
No nosso agora quer abrigo.

Eis o coração aberto
Que tanto amou sem distinção.
O coração do irmão sofria
Por ele abriu-se o coração.

O coração de Cristo cheio
De amor e redenção,
Derramou-se sobre o nosso
Fez-se novo o coração.

O coração na cruz pregado
Donde água tem jorrado.
Bebamos dela agora
Para novo ser tornado.

Subamos todos ao calvário
Aproximemos da fonte na cruz.
Curemos as feridas do Cristo
Mostrando que lá dentro tem luz.

(Amarildo Serafim – 2005)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Das Dores de José


Sou apenas um José das Dores
Não é pelas dores que tenho,
Que das Dores eu sou,
Mas pelas dores de uma Santa,
A quem minha Mãe me consagrou.
Pois, antes de ser parido,
Muitas dores lhe causei, e se a tal santa
Desse-lhe sorte, das dores não viverei,
E ao auxilio da Santa, José das Dores me tornei.

Essa dor foi a menor pudesse ela
Ter levado a vida, teria evitado outras
tantas as dores desta vida.
As dores de quem se vai embora,
Chorando sua desvalia,
Chorando a seca do sertão, esta terra combalida.

Passada as dores do parto, vieram as
Dores da partida, pois tão seca a terra
Estava que não houve outra saída.
E enquanto o dinheiro deu
Foi de pau-de-arara a nossa ida.
E foi por bem pouco que assim se deu.

Logo me vi com o pé na trilha.
Trilha hora incerta, e hora só desilusão,
O pé descalço na terra seca,
Pisava sem pena cada torrão.
Mas o torrão do sertão é forte
E o pé é que não aguentava a humilhação.

Ser José das Dores, dor no nome e no suportar.
Possuir a dor dos José, cada José que caminhar.
José que canta, encanta e afugenta suas dores.
Na procissão da Bendita Santa,
que bem mais que nobre esperança da cada José sustenta.

Antes de raiar o dia e por o pé descalço no torrão.
Fazer promessa de cem missas e sete velas,
Requerendo favor do céu: chegar mesmo aos pedaços
Na outra ponta do caminho, quiçá não seja lá
Onde finda as flores, deixa órfão meu cuitelinho.

Mão que lavra...

Café de viagem longa, qual longa
É a desventura no seu colher.
Este café suave e encorpado,
Só possível a duras penas e sofrer.

Café de Serra, da pedra, do fumá,
Café do João, do José, da Diná.
Pobres coadjuvantes na arte de cultivar.
Calejadas mãos que se unem pra lavrar.

Até quando proletários, sobre a terra da promissão?
Até quando escravos, sob a áurea da lei da abolição?
Até quando explorados, qual minério que sai do chão?
Vale a pena abrir mão da vida, e esperar da vida uma mão?

Por certo que na fazenda faze mais que teu dever.
Por certo que ao café na mesa, não importa se foi você.
Por certo que a mão que lavra vale bem mais ao viver,
Por certo que não as tendo quem haveria de plantar e colher?

(Amarildo Serafim – 12/05/2003)

Velha pouca vida!


Muitos por aqui vieram morar
Por infinitas razões e motivos mil.
Uns para viver a vida
Ainda pouco vivida.
Outros para o que resta
De tão velha pouca vida,
Que embora já sendo pouca,
Nem sempre bem vivida.
Insiste em manter-se viva,
Insiste em manter-se vida.

Para uns última morada
Antes da morada definitiva.
Para uns ponto de chegada,
Para outros ponto de partida.
Seja na chegada, seja na saída,
Para cá trazem ou deixam
Sempre um quinhão de pouca vida.
E tanto que vão deixando
Pouca vida em tantos cantos,
Um dia lhes falta vida,
Que ao longo de toda ela,
Sempre míngua e restringida,
Até que, enfim, acaba a vida
E se vai desfavorecida, pouca vida.

Aos que estão, então, a chegar,
Ou tão já se vão partindo
A velha máxima vão cumprindo:
Não importa se é vida nova
Ou velha já se extinguindo.
Desta vida que é pouca vida
Estamos sempre de despedida.

Amarildo Serafim(24/08/2004-20/09/2006)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Futuro em Prelúdio...

Quando se acabarem as sombras, e não houver luz ou escuridão;
Quando se cessarem os algozes, e formos libertos da prisão;
Quando se encerrarem os cansaços, e não nos limitar limitação,
Seja do corpo, da mente ou do coração;
Quando os relógios tiritarem mecanicamente, não mais ditar o que fazer.
Nem o som de balas na noite irão impor revolução.
O dinheiro será papel em vão, tão vão, quanto o papel do homem dele dependente.
Cercas e muros já não adiantarão, portas e portões de chave desprovidos.
Tudo que feche ou impede de entrar será da mesma forma banido.
Pois, a mudança virá de dentro e abrirá espontaneamente sem represália.
Virá com uma força incomparável à outra que já existiu.
Deitará toda barreira mais que a ogiva que já se explodiu.
Não haverá guerra ou grito de independência como já se ouviu.
Aos que impuserem resistência lhe será igualmente vão.
Quem ousar resistir-lhe a força invadido igualmente será,
Tal qual aquele que aceitar.
Não haverá quem resista, jamais haverá quem se compare.
Toda técnica e avanço obsoleto serão em vista de tão grande minúcia.
Diante de tamanha simplicidade, que lhes tornará tão evidente,
E dela se dirá: “Como antes não se pensara?!”
Assim seja, Assim será.
Assim que nos sobrevier o tempo, Assim que o tempo se esgotar.
Quando chegar a época, de uma nova época se iniciar.
Virá do mesmo modo que tudo vem, só não irá como tudo vai.
Permanecerá, enquanto o resto se foi e não voltará a ser.
O permanente lhes dará a permanência, então sereremos eternos.